sábado, 16 de junho de 2007

COMISSÃO DE ANISTIA DECLARA LAMARCA CORONEL DO EXÉRCITOGoverno concede a viúva do guerrilheiro, morto em 1971, pensão destinada a generais. Filhos e viúva terão direito a R$ 100 mil cada um por terem sido reconhecidos como perseguidos políticos durante a ditadura militar.Além da promoção, a comissão reconheceu a condição de perseguidos políticos da viúva de Lamarca e de seus filhos César e Cláudia Lamarca, concedendo aos três uma indenização de R$ 100 mil para cada um, referente aos quase 11 anos em que viveram exilados em Cuba. O caso de Lamarca foi escolhido para a sessão inaugural dos novos conselheiros da Comissão de Anistia.TARSO GENRO DESDENHADisse não acreditar em reação dos militares, que consideram o terrorista um desertor. "Não acho que haverá reações, a decisão foi unânime, com o voto do representante [Henrique de Almeida Cardoso] do Ministério da Defesa." Na opinião do ministro, foi uma decisão "juridicamente correta e politicamente adequada". FSPDECISÃO PRÓ-LAMARCA IRRITA EXÉRCITO E ABRE CRISELula ganhou uma nova crise para administrar. Uma crise de contornos militares. A decisão da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça favorável ao ex-guerrilheiro Carlos Lamarca e a seus familiares ateou indignação nos gabinetes da cúpula das Forças Armadas.Porta-voz da irritação, o comandante do Exército, general Enzo Martins Peri, telefonou para o ministro da Defesa, Waldir Pires, no meio da tarde desta quarta-feira (13). Pediu-lhe que interceda junto ao ministro Tarso Genro (Justiça), para anular os benefícios que a Comissão de Anistia injetou na biografia de Lamarca e nas contas bancárias de seus descendentes.Waldir Pires apressou-se em transmitir ao colega da Justiça o azedume dos militares. Na opinião do general Enzo, corroborada pelos comandos da Aeronáutica e da Marinha, as decisões da Comissão de Anistia são meramente indicativas. Têm o peso de uma sugestão. Cabe ao ministro da Justiça acatá-las ou não. No caso de Lamarca, gostariam que fosse rejeitada ou, ao menos, atenuada.Os 22 integrantes da comissão reconheceram, em deliberação unânime, a condição de anistiado político de Lamarca. Concederam à sua família uma pensão mensal equivalente ao soldo de general de brigada. De resto, indenizaram a viúva de Lamarca e os dois filhos do casal em R$ 300 mil.Para a esquerda brasileira, Lamarca é um herói da resistência armada à ditadura militar. Para o Exército, porém, o ex-capitão e guerrilheiro não passa de um desertor. Os militares já haviam considerado descabida a pensão de coronel que a viúva Maria Pavan Lamarca obtivera na Justiça em 1993. A equiparação ao soldo de general é vista como um despautério que beira à “provocação”.O Exército argumenta que, mesmo que estivesse vivo, Lamarca não teria direito à aposentadoria militar. Considera-se que ele rompeu com a caserna ao abandonar voluntariamente a carreira militar. Deseja-se que o assunto, por delicado, seja submetido à mediação do presidente da República.Criada em 2001, sob Fernando Henrique Cardoso, a Comissão de Anistia já analisou mais de 30 mil pedidos de indenização de supostas vítimas da ditadura. Foram acolhidos cerca de 55% das solicitações. Custaram R$ 2,3 bilhões ao erário. Produziram também um gasto mensal de R$ 28 milhões em pensões e aposentadorias. De todos os casos julgados, nenhum deixou as Forças Armadas tão abespinhadas quanto o caso de Lamarca. Por Josias de Souza“TRAIDOR, DESERTOR, ASSALTANTE E ASSASSINO”, DIZ NILTON CERQUEIRAFoi nesses termos que o general Nilton Cerqueira se referiu a Carlos Lamarca ontem, em conversa com o Estado. “Eu não sou traidor da Pátria, tenho minha vivência no Exército, que é muito maior do que esse traidor, desertor, assaltante e assassino”, disse. Cerqueira, na época major, comandou a operação que matou Lamarca, em 1971. O general não quis comentar a decisão da Comissão de Anistia: “Cabe ao Exército se pronunciar, não a mim.” Depois de deixar o Exército, foi secretário de Segurança Pública do Rio, no governo Marcello Alencar (1995-1998).PRESIDENTE DO CLUBE NAVAL DIZ QUE ATO É DEBOCHEO presidente do Clube Naval, almirante-de-esquadra da reserva Júlio José Pedrosa, definiu como "um deboche" a decisão de pagar pensão de general à viúva do ex-guerrilheiro e ex-capitão do Exército Carlos Lamarca. O presidente do Clube Militar, general da reserva Gilberto Figueiredo, também criticou a decisão.Para Figueiredo, Lamarca traiu a pátria e os militares ao abandonar o Exército para aderir à guerrilha. "Mas essa comissão aprova tudo que passa por lá, de maneira que também não é surpresa", disse.Ex-ministro do STM (Superior Tribunal Militar), o presidente do Clube Naval atacou a comissão, que "não tem competência para promover oficiais das Forças Armadas. Ela tem competência é para distribuir dinheiro como anda distribuindo por aí", disse. "No caso do capitão Lamarca, não há nenhuma condição de ele ser general porque é um desertor, ele abandonou a Força."O presidente do Clube Militar disse que Lamarca, ao desertar, cometeu um "crime capitulado no Código Penal Militar". Informado pela Folha a respeito da decisão da Comissão de Anistia, o general afirmou: "A única posição que posso dar é de repulsa ao indivíduo que ele foi, que traiu seus companheiros, que fez atrocidades com seres humanos."Na entrevista por telefone, Figueiredo comentou o assassinato do tenente da Polícia Militar Alberto Mendes Júnior, cometido por Lamarca em 10 de maio de 1970. "Ele matou um oficial da PM a coronhadas, fez outras atrocidades desse tipo", afirmou o general.Para Figueiredo, há dúvidas a respeito da legalidade da promoção póstuma de Lamarca."Eu não sei qual foi o critério da comissão. (...). De maneira que não sei como isso poderia ser feito", disse. Por Sergio Torres - FSP“É INCONCEBÍVEL”!“Lamarca matou um filho do povo” (Jarbas Passarinho)A decisão da Comissão de Anistia sobre Carlos Lamarca provocou reações antagônicas entre pessoas que tiveram participação no regime militar ou estudaram o período."É inconcebível. [Lamarca foi] um homem que, na sua luta, matou um filho do povo, da PM", diz Jarbas Passarinho, coronel da reserva, ex-ministro da Educação (governo Emílio Garrastazu Médici) e da Previdência Social (governo João Baptista Figueiredo), ambos durante o regime militar."Lamarca matou um rapaz que se apresentou voluntariamente para salvar seus soldados. A impressão é que se está numa república democrática popular", finalizou.José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil no governo Lula, saudou ontem em seu blog a medida. "Essa decisão promove um resgate histórico do papel de Lamarca na luta contra a ditadura militar e faz justiça aos seus familiares. É um passo importante no reencontro do Brasil com a sua história.” - FSPANÁLISEEspecialistas ouvidos pela Folha ontem disseram que a decisão tomada pela Comissão de Anistia é estranha. "É uma recompensa a quem queria instaurar uma ditadura socialista no Brasil, Lamarca não combateu em nome da democracia", diz o cientista político Leôncio Martins Rodrigues. "Os militares ganharam naquela época, mas perderam a batalha ideológica."Marco Antonio Villa, professor de história da Universidade Federal de São Carlos, diz que a decisão pode "desmoralizar" a história brasileira. "Se a família sofreu, não vejo problema, é justo. O problema é que a esquerda brasileira fez uma opção equivocada. Em vez de rediscutir aquele momento histórico, preferiu fazer um acerto de contas financeiro", diz Villa. "Há uma desmoralização da história brasileira. Quem ganha indenização é o "andar de cima". Os pobres não recebem nada, ou quase nada. Virou uma "boquinha". FSP

Nenhum comentário: